Da Maneira Errada

Nos dias que se seguiram, o assunto “gravidez” fora esquecido entre os Leroy. Os enjoos não se repetiram, e o trabalho havia começado. Ambos estavam trabalhando na mesma função: fazer books fotográficos para os clientes da agência onde trabalhavam. Os dois polos do estúdio de fotografia ficavam muito próximos, portanto ambos iam almoçar juntos, e na volta para casa, Petter ia buscar a garota no trabalho.

A rotina parecia ter sido estabelecida entre eles. Emma estava realmente animada por finalmente começar a viver, tendo colegas de trabalho, horários, salário próprio e locais para almoçar onde a comida não tinha sal. Tudo parecia mágico e, por mais simples que fosse, a deixava maravilhada.

Petter comprara uma câmera semiprofissional para que ele e Emma pudessem tirar fotos das viagens e passeios que eles por ventura viessem a fazer. Emm, por sua vez, fazia todo dia um jantar diferente, somente para eles dois, ou para convidar os vizinhos de apartamento, Louis e Shelby, com quem fizeram amizade.

E as coisas iam de bem a melhor. Sem que se fosse comentado qualquer coisa sobre o bebê.

Então fizeram o primeiro exame. Compraram a primeira roupinha, de cor neutra, para a criancinha que estava por vir. Compraram um bercinho para colocar no terceiro quarto do apartamento, entre os quartos de Emma e de Petter. E simplesmente, assim como fora, o assunto “bebê” voltara, trazendo consigo um sentimento de carinho. De repente, aquilo tudo parecia ter sido planejado desde o princípio.

A barriga de Emma logo começaria a mostrar o primeiro sinalzinho da gravidez, tão breve quanto possível. Surgia o problema: quando todos começassem a reparar na barriga crescente e na movimentação estranha, o que responderiam quando pedissem “quem é o pai”?

- Poderíamos dizer – principiou-se ela – que meu namorado me largou quando descobriu que eu estava grávida. Ou então que ele faleceu e eu fiz inseminação artificial por que o amava demais.

Petter andava de um lado para o outro, passando a mão pelo queixo, pensativo.

- Podemos dizer que eu sou o pai. – disse ele, por fim.

A garota espantou-se. Eles não podiam! Ela não podia comprometê-lo daquela maneira!

- Sem chances, Pette! Você não pode assumir isso comigo.

- Claro que posso! – suas feições se iluminaram. – Imagine, nós moramos juntos, a criança não tem um pai, e eu não tenho filhos nem esposa. É a solução perfeita!

- É tudo, menos perfeita, Petter! Você faz ideia do que é criar um filho? Não vou deixar você assumir uma responsabilidade tão grande quando isso não tem nenhuma relação com você!

Ele sentou-se ao lado da garota e pegou suas mãos entre as dele, empolgado com a ideia.

- Seu filho teria alguém para chamar de pai, Emm! Você não entende: PRECISA me deixar fazer isso! Precisa me deixar ser o pai desse bebê!

- Por que você quer tanto isso? Por que quer se comprometer com uma família que nem é sua?

Ele fez uma pausa, e suas feições fecharam-se. Dava para ver a tristeza e a mágoa irradiando daqueles olhos azuis que eram, geralmente, tão ternos.

- Por que eu sou estéril, Emm. Jamais poderei ter um filho. E essa é minha chance de ter alguém a quem eu possa chamar de filho, a quem eu possa dar meu amor e meu afeto. É o mais perto de uma criança legitima que eu terei. – Petter fez uma pausa, encarando-a de maneira suplicante. – Você precisa me dar essa chance de realizar meu sonho, Emma.

A morena o abraçou, de maneira protetora. Aquele homem jamais saberia o que significava ter um filho dele. E seu bebê jamais saberia como era ter um pai. O que havia de tão errado, afinal, em realizar o sonho de duas pessoas ao mesmo tempo?

- Pette. – chamou ela, afastando-se dele e encarando-o nos olhos. – O bebê me disse que ficaria honrado em ter você como pai. Bem vindo à família.

E o homem chorou de felicidade como jamais havia feito antes. Afinal, ele agora seria pai, um pai amoroso que daria àquela criança tudo que lhe fosse pedido. Um pai que, apesar de não ser o pai legítimo daquele serzinho tão frágil e pequeno, o amaria tanto quanto um.

~~*~~

- Hey, vocês! – cumprimentou Shelby, animada, entrando de mãos dadas com Louis.

- Shel, Louis, entrem! – gritou a garota, da cozinha. – Estou preparando uma massa ao molho de... tomate.

Emma estava frustrada. Tentara fazer cinco molhos diferentes, e não acertara em nenhum. Pobre criança, teria que viver somente de massa Miojo, ou pior, CupNoodles.

- Quer ajuda aí?

- Não, pode deixar que eu já vou aí para a sala!

A morena limpou as mãos no guardanapo, tirou o avental e dirigiu-se à sala. Lá estavam seus amigos: uma garota loira, baixinha e magrela, com um sorriso sempre presente no rosto e olhos extremamente verdes, e seu noivo, com cabelos muito negros, assim como os olhos, o dobro da altura de Shelby e pele castanha clara.

Era um casal particularmente doce.

Ela abraçou os dois, animada. Aquele, haviam decidido, seria o dia em que contariam aos vizinhos sobre seu filho. Ou melhor, o filho dela, que acabara de ganhar um pai. O melhor pai do mundo, aliás.

- Então... qual o motivo especial do jantar?

- Pare com isso, Shel! Ela vai revelar quando for a hora! – Louis chamou a atenção da loira. – Desculpe, Emm, mas você conhece a mocinha aqui: sempre se mordendo de curiosidade.

Shelby deu um tapinha no braço do moreno, na defensiva. Os três riram e jogaram-se no sofá.

- Onde está Petter?

- Ele saiu para comprar algumas cervejas, mas já deve estar...

- De volta. – interrompeu Pette, entrando no apartamento. – Boa noite!

Ele cumprimentou ambos e abraçou Emma.

- Agora que ele está de volta, podemos jantar.

A massa havia ficado... bem, havia ficado boa, se considerado o fato de que fora Emma quem cozinhara. Ela jamais havia tido um pingo de talento culinário, e era fácil estragar qualquer comida na qual colocasse a mão, apesar de ser sempre ela quem cozinhava naquele apartamento. Porém ninguém reclamou. Comeram e riram, se divertiram e conversaram sobre coisa alguma.

Assim que o jantar acabou, Petter buscou uma garrafa de champanhe, refrigerante e quatro taças.

- Para que tudo isso, Pette? Motivos especiais? – perguntou Shelby.

- Sempre temos, não temos? – o homem perguntou, em resposta, sorrindo de canto.

Sentou-se na mesa, ao lado de Emma, e pigarreou, criando cena e batendo com um garfo na taça ainda vazia.

- O motivo pelo qual estão aqui é muito especial, tanto para mim quanto para Petter. – principiou Emma, tentando protelar o momento da revelação. – Vocês serão os primeiros a saber. E vai ser bem inesperado.

- O que a Emma quer dizer é que...

- Dá para vocês falarem logo? Meu Deus, parece até que vão casar! – reclamou a loira, divertida.

- Nós vamos ter um bebê! – falaram os dois juntos.

Por um segundo, os olhos dos quatro pararam de piscar.

- Oh Meu Deus! Parabéns! – pulou a afobada mulher, do outro lado da mesa, alongando o ‘e’ tanto quanto possível, enquanto abraçava os novos “papais”. – Eu não fazia ideia de que vocês... eu não... é que vocês tem o mesmo sobrenome, pensei que fossem parentes e... ah meu Deus!

Eles sorriram para a garota, porém ficaram apreensivos entre si. Quando os vizinhos partiram, uma hora depois, os dois se encararam, preocupados.

O que iriam fazer quanto a isso? Não tinham pensado sobre esse assunto, e não pensavam, de verdade, que poderia atrapalhar o fato de que seus sobrenomes eram os mesmos. Ficara assim tão na cara que eles não eram um casal? Como seriam, ambos, pais de uma criança quando nem ao menos aparentavam ser um casal?

- Eu... isso não vai dar certo, Pette! Nós não somos casados, nem temos uma relação, e todos perceberão! Como vamos fingir algo do gênero?

O tio caminhava de um lado para o outro, pensativo. Tinha que encarar os fatos: jamais seria pai daquela criança, e não havia como negar algo como isso. Quem sabe se contentasse em ser apenas o padrinho, ou o tio-avô que dá presentes de vez em quando.

Mas de alguma maneira, sentia-se responsável por aquela vidinha que nem havia sido criada. E ele queria um filho, sempre quisera. Quando pensou que a sorte sorriria para o mesmo pelo menos uma vez, uma bomba dessas explode.

Bem, em que mundo ele pensou que algo do gênero daria certo?

- Esquece, Emma. Eu estava me aproveitando da sua situação para suprir a minha frustração. Você não merece isso. Nós vamos pensar em outra coisa, tenho certeza disso.

- Mas eu... quero que você seja o pai.

E Emm queria mesmo. Depois de cinco minutos com uma ideia daquelas na cabeça, você simplesmente se acostumava com o fato de que seria a melhor solução. E ela seria orgulhosa em ter para seu filho um pai tão maravilhoso quanto ele.

O silêncio prevaleceu no lugar por alguns instantes.

- E se nós fingirmos? – perguntou ela, por fim. – E se andarmos pela rua de mãos dadas? Não deve ser tão difícil.

- O que? Não, Emma! Você já sofreu demais nessa vida, eu não vou permitir que se sacrifique desse jeito! Estaria me aproveitando de você! Privando-te de ter uma vida, um namorado, uma família!

- Mas você é a minha família, Petter! – disse Emma, levantando-se e segurando as mãos do homem. – Quando te toco, não tenho medo de sofrer, nem de me ferir. Não tenho medo de tentar mais uma vez. Quando olho para você, tenho fé; em um futuro melhor, em uma vida perfeita... fé em cada detalhe da vida que eu sempre sonhei ter. – fez uma pausa, ainda segurando as mãos dele. – Depois de tudo que passei nessa vida, você é aquela pessoa da qual não fujo. A única pessoa.

Ela pôs a mão dele em seu peito.

- Sente isso? Sente meu coração batendo acelerado? Ele fica assim toda vez que imagino você fora do meu futuro, Petter! Agora, me diz: como eu poderia viver desse jeito? Você é a minha família. – escorregou a mão para seu ventre. – Você e esse bebê.

- Emma, eu...

- Por favor, Pette. Agora sou eu que te imploro. Você me fez feliz quando eu não pensei ser possível. Me deixe te fazer feliz, pelo menos dessa vez. E me deixe dar a essa criança o que ela merece: você.

O homem aproximou-se de Emma e passou os dedos pela face dela, enquanto a outra mão repousava por sobre sua barriga, ainda sem alterações, por debaixo da dela. Beijou sua testa, suavemente. Depois, levantou a face da garota, beijando sua bochecha.

Quando afastou-se, as lágrimas já corriam por seu rosto. Então ele abraçou a morena com toda a força, segurando-a contra seu corpo, com medo de perde-la.

- Ah, Emma. Muito obrigado, meu anjo. Por tudo. Mas eu não posso fazer isso com você. Não posso fingir que temos algo. Se eu o fizesse, não seria melhor que seu pai. – ele a olhou, e dessa vez, enquanto chorava, um sorriso brotava em seu rosto. – É a decisão mais difícil que eu já tomei, mas é o correto a se fazer. E eu sei que, lá no fundo, você também sabe disso.

Então ele foi para o quarto, soltando a mão de Emma. E a garota sentiu-se perdida no próprio mundo, desolada.

De alguma maneira, realmente, ela sabia que era o certo a se fazer. Mas depois de tanto tempo, não queria estar certa. Queria dar a felicidade àquela criança que nem havia nascido ainda, mas acima de tudo, queria fazer feliz aquele que a fizera mais que isso: aquele que salvara sua vida, de todas as maneiras imagináveis.

Naquela noite, ela pegou no sono cantarolando Smile.

~~*~~

Três meses de gravidez. Hora de fazer compras. É claro, de cores neutras, já que ela ainda não sabia o sexo da criança.

- Você vem, Petter? Ou será que a grávida vai ter que pegar um taxi?

- Para de fazer chantagem emocional, garota! Que difícil!

Ele colocava o casaco, indo em direção à porta. Vestiu o casaco na morena, sem um motivo aparente, e eles dirigiram-se à garagem.

Era um sábado gelado de inverno, e as pessoas andavam pela rua, encasacadas e carregadas de bolsas e copos de café fumegantes.

Entraram no shopping, sentindo o ar quente em suas faces. Dirigiram-se diretamente à loja de rupas infantis.

- Em que posso ajuda-los? – pediu a vendedora, de maneira interessada.

- Queremos ver “um pouco de cada de tudo”. Início de compras! – disse a garota.

- Então vamos começar pelos pijaminhas, e depois passamos para o resto. – disse a mulher doce. – Queira me seguir, papai.

Emma olhou para Petter a tempo de ver os olhos brilhando ao ser chamado de “papai”. Ele nascera para aquilo, simples assim.

E enquanto a vendedora oferecia, uma após a outra, várias cores e vários modelos de roupas, Emm olhava menos para as opções, e mais para Pette, de coração completamente entregue àquele momento. Envolto naquela mágica, naquele sentimento. Completamente apaixonado por cada pequeno detalhe de cada pequena sensação.

Enquanto isso, não deixou de pensar se existiria alguém naquele planeta tão maravilhoso quanto o moreno. Existiria alguém melhor que ele para ser pai de seu bebê?

E Emma, na verdade, duvidava.